martes, febrero 27, 2007

Música from Argentina Brasil


Já me emocionei frente a um Picasso, a um Filonov, a um Volpi. Mas a música consegue realmente chegar no mais profundo de minhas emoções. Parece mesmo que tenho uma trilha sonora para cada momento. Acho que as decisões mais importantes que tomei na vida tiveram um fundo musical.
Fui ao auditório do Ibirapuera ver a Orquestra Típica Fernández Fierro, da Argentina, mais a Orquestra Popular de Câmara, Brasil. Sem falar do espaço, que é acusticamente divino, ademais de ótima visibilidade, o espetáculo foi sensacional. Os percussionistas brasileiros fizeram obras primas no palco e um deles me fez lembrar o Calder e seus móbiles. Os instrumentos balangandavam, se suspendiam, de repente, faziam sons tão harmonicamente mesclado com os violinos, com o piano; o movimento dos músicos era pleno de alegria com a seriedade daquele que lia a partitura e o riso de Lula Alencar do acordeão brilhante.
Em seguida, escuridão. Eu estava perto do palco e pude ver a organização dos músicos argentinos que adentravam, se organizavam...se escutava o delicioso acento porteño. Anciava escutar esse tango orquestrado, essa equipe de jovens músicos, cabeludos, tatuados, rastafaris e seus piercings. Além claro, dos violinos, piano, violaocelo, bandoneon. Foi visceral.
A orquestra é formada por 12 músicos e tem um espaço próprio onde tocam todas as quartas-feiras no “El CAFF”. Logicamente quero conhecer o lugar na minha próxima visita à Argentina. São excelentes, têm presença de palco, são teatrais. O “Chino”, o cantor, é um personaje, como diz minha mais recente amiga argentina, Mercedes. Eles são estilosos, com figurino descontraído, cabelos larguíssimos, guapíssimos. Quando tocaram a primeira música, fiquei em transe. O som dos 4 bandoneones, a força dos violinos, à batida do tango. Interpretaram Piazzola, tangos tradicionais adaptados com uma linguagem moderna, no corpo, na alma. A iluminação criou aquele ambiente dramático, do amor rasgado e partido; luz intensa por baixo do piano quebrava a escuridão do palco. Logo, as luzes vermelhas que tingiam os músicos que ladeavam suas cabeças, de um lado a outro.
Tive a certeza de minha volta à Argentina. Escutá-los me despertou o desejo de viajar, de conhecer lugares e gente interessante; me aflorou a audácia, o destemor. (RE)Vitalidade. Os primeiros aplausos, explosivos. Na minha frente sentavam duas senhoras que nos intervalos de cada música cochichavam avidamente. Quando o Chino anunciou que a próxima seria a última a ser tocada, elas se manisfestaram com alívio “Como pode ser? Vim ver uma orquestra e me aparece um monte de cabeludo, tatuado, bla bla bla, vim ver tango, blá blá blá”. Hahahahha, hahahahaha, hahahahah. Elas saíram correndo. Me reí mucho, che! ºº

miércoles, febrero 14, 2007

Na Minha Terra



Amo o vento da noite sussurrante
A tremer nos pinheiros
E a cantiga do pobre caminhante
No rancho dos tropeiros;
º
E os monótonos sons de uma viola
No tardio verão,
E a estrada que além se desenrola
No véu da escuridão;
º
A restinga d'areia onde rebenta
O oceano a bramir,
Onde a lua na praia macilenta
Vem pálida luzir;
°
E a névoa e flores e o doce ar cheiroso
Do amanhecer na serra,
E o céu azul e o manto nebuloso
Do céu de minha terra;

º

ººLira dos Vinte Anos - Ateliê Editorial

Capa e frontispício: Luciana Rochaºº

º

Gosto muito do início de "Na Minha Terra" do poeta Álvares de Azevedo. Teve inspiração na natureza, das coisas mais singelas (os cheiro das flores, os sons da viola) às mais taciturnas (noite sussurrante, véu da escuridão).

Quase se pode pensar que o mesmo olhar que admira as belezas da terra, que não deixam de inspirar amor e volúpia, também admira o mistério dos mantos nebulosos, das névoas, da escuridão. No entanto, mesmo nas passagens onde cita o 'verão', 'flores', 'azul', 'praia' que podem ser símbolos de felicidade, o verão é tardio, a névoa acompanha as flores, o céu azul é coberto por um manto nebuloso e a praia é macilenta.
Nos 4 primeiros versos, Azevedo se utiliza de aliterações que valorizam o efeito de sentido: 'sussurrante', no primeiro verso. O uso do 's' aqui produz o efeito expirado que anuncia o vento que passará pelos 'pinheiroS' e tropeiroS'; a conseqüência disso é refletida pelo uso de "tr" em 'tremer' e 'tropeiros', assim, o vento vibra, estremece. O 't', que é ocluviso e explosivo, juntamente com o 'r' produz um efeito sinestésico auditivo e tátil.
Nos versos da segunda estrofe, no entanto, o uso da assonância da vogal 'o' e das rimas 'ão' produzem outro efeito: o do encerramento, do fechar-se em si, do eu, do interno, do breu. "Os mOnÓtOnOs sOns'; 'nO'; 'tardiO'; 'verÃO'; 'escuridÃO'. A vogal 'o', nessas palavras, é fechada e o 'ão' salienta ainda mais o sentido de que o eu-lírico pode se remeter a seu interior soturno, e os 'monótonos sons de uma viola' se encerram em si, não se extendem, não gritam, não se expandem.
Ao longo do poema há mais exemplos interessantes que denotam seu amor por sua 'terra sombria', que é sempre bela.