domingo, junio 17, 2007

CORPOS NA OCA






Não me causaram tanto impacto os corpos dissecados. São corpos ou moldes? Moléculas de polímero substituem as de água. Pensei em fósseis, em que a estrutura orgânica é substituída por mineral. Logo, entrei na exposição tranqüilamente imaginando que eram objetos siliconados, que tiveram como base um corpo humano. Al fin y al cabo, eram corpos humanos. Parece que possuem DNA. Então me resta ainda a dúvida, ¿será que tiveram funerais? São corpos “doados”. Chineses. E se o corpo é doado, imagino que na chegada da famigerada, faz-se um cerimonial e logo é encaminhado ao necrotério. Aí o cadáver espera alguma faculdade comprá-lo para estudos.



Tudo isso busco entrelaçar na exposição. Era inegociável: teria que trabalhar conceitos mais poéticos, subjetivos, experiências pessoais, saúde no cotidiano. O objeto está lá, dessa vez não é uma obra de arte visual, de algum artista renomado, senão a própria VIDA, dilacerada, dissecada. O receptáculo de nossa alma, dizem; aquilo que nos acompanhará até o dia da morte: o corpo. Roubo as palavras de meu colega educador Arturo, quando diz que “dentro de nosso corpo há vários corpos”. Seja o corpo esquelético, o muscular, etc, além dos corpos que estão dentro da mente, de nossa imaginação e SONHOS.



Paralelo a isso, quando visitamos a exposição “criamos” um corpo. Analogamente à casa, às construções – cujas estruturas são parecidas com as nossas – desde as fundações, pilares, vigas, alvenaria, encanamento, fiação, acabamento, esgoto, etc... e o cuidado da casa, feito pelas células: nós mesmos, que seremos abastecidos e cuidados, e assim por diante. Nada é independente, tudo está interligado. É o caminho que faço quando visito o “Corpo Humano, Real e Fascinante”. Estabelecer a ligação entre os sistemas de nosso corpo, tendo como eixo principal o Sistema Nervoso, que é inacreditavelmente perfeito. Inicio ou finalizo a visita com uma frase de Leonardo da Vinci:



“Embora a criatividade humana seja capaz de fazer várias invenções, com a ajuda de diversas máquinas atendendo ao mesmo objetivo, ela jamais projetará nada mais belo ou simples ou mais pertinente que a Natureza, cujas invenções nada têm de incompleto, tampouco supérfluo”.1



Reafirmo a questão das relações que são criadas dentro do corpo. E fora? Como ser coerentes com o mundo que nos rodeia? Como estamos para a Natureza, como ela está para nós? SOMOS NATUREZA. Também buscamos equilíbrio, o mesmo que é buscado pela homeostase corporal. Se internamente o corpo cria meios de se equilibrar, também podemos buscar isso nas nossas relações com o mundo, com as pessoas, com a natureza externa a nós. Faço dessas questões minhas aliadas para “criar o corpo” da exposição. Passamos pelo sistema esquelético, muscular, pelos tendões, inclusive o de Aquiles, cuja história sempre menciono. Citamos técnicas de conservação de corpos e a quê elas se destinam.



O que nos faz ficar de pé? É o momento de rever coisas, de pensar nos sistemas que vimos até então. Será que são os esqueletos? Será que são os músculos, tendões... Não consigo passar pelo Sistema Nervoso sem falar da VONTADE, da INICIATIVA, do DESEJO. A exposição abre muitos leques para se falar de nós mesmos, de nossas emoções, do quão poderoso é o cérebro, nosso poder de mudar coisas somente com o PENSAMENTO. Que todos somos sensíveis, porque temos milhões de células nervosas responsáveis por isso, que possuímos o sistema límbico que controla as emoções, o comportamento emocional, memória, aprendizado... Escolho um aluno e finjo que vou jogar-lhe algo. Logo faz o gesto de quem vai pegar o objeto. Nada jogo. Mas ele move-se todo afim de não deixar cair o invisível. Reflexo bom têm os alunos.



As melhores dinâmicas a serem criadas na exposição têm como coadjuvantes nós mesmos. Melhor material de apoio impossível. Exercitamos nosso corpo mental e físico e até o chiclete mastigado – que entrou clandestinamente – tem utilidade para a compreensão do sistema digestório. Posta clara a questão das relações indissociáveis que existem no corpo, chegamos ao ápice do percurso na exposição: o conjunto das células que compõem o corpo. O mágico da união dos 23 cromossomos da maior celular feminina ( o óvulo ) e a menor célula masculina ( o espermatozóide ). UNIÃO necessária para a criação de todas nossas células de 46 cromossomos. Somos feitos de DOIS, já levamos a dualidade num nível muito profundo do corpo. Como não pensar na alegria e na tristeza, na necessidade das dualidades complementares? Tão simples e pertinente...



Muitas pessoas passam mal, desmaiam, se impressionam e se repugnam. Outro dia, uma senhora disse, depois de ter visto um garoto mareado, que ela sim estava passando mal por causa do valor da entrada: 40 reais... Próximo assunto que quero estudar: em que parte do cérebro está a CURIOSIDADE? Por que ela se manifesta, que efeitos causam no corpo? Muito a se pensar.



1 Trecho extraído dos textos da exposição “Leonardo da Vinci”, Oca.


El Español y yo

Prazeroso é meu contato com esse idioma. Placentero, mejor dicho. Prazeroso soa forte, o “r” o “z” fazem dessa palavra algo pesado. A primeira palavra em espanhol que vi foi “MOSCÚ”. Está escrito errado, disse a meu irmão Edu, recém chegado da ex-URSS. Está escrito em espanhol, falou. Ah. Moscú. Dei risada. mosCÚ. E como todos falam que “minha vida parece uma novela”, sinto-me no direito de dizer o mesmo. Trás a descoberta de meu sangue paraguaio, fui tocada pelo interesse de conhecer o idioma. Na época, pasmem, comecei escutando Ricky Martin...ai. O passado me condena. Mas era a única coisa que se vendia por esses lados. Aos poucos fui estudando, indo a terras guaranis, platinas e à terra de Neruda, de quem li, inclusive, a primeira poesia na vida. E não precisei cruzar o Atlântico para chegar em Brecht.
Na adolescência esses nomes pareciam diferentes e interessantes. Andava eu com a camiseta do Che – sem saber exatamente quem era ou o quê havia feito – além da camiseta do “Jack Daniels” pensando ser um cantor de rock. Em minha primeira viagem ao Paraguai, aluguei minha irmã, me ensina como se fala. O som. A pronúncia. AH, bate-papo na internet. Aprendi muito nas salas internacionales, ou nas salas da Argentina, Peru, Espanha. Então me deparei com algo assustador: todos tinham seus modismos, gírias específicas. Para piorar, eu dizia “tú”, me chamavam de “vos”. Ai ai. Eu escrevia “son” e eu lia “sois”.
O idioma foi se cristalizando a partir da Literatura. Meu foco passou a ser os livros e um bom dicionário. A cada viagem, músicos fantásticos. A cada nova amizade, mais me sentia confortável com o idioma. Deixei, por sorte, de ouvir Ricky Martin, e consegui Silvio Rodrigues, Pablo Milanês, Joe Vasconcellos ( por meio de meu amigo chileno Pablo), La Barranca, Maná, ( meu amigo mexicano Javier), Arteciopelados ( hermosa Solange semi-colombiana ), Calamaro, Fito Paez, Orishas, Estopa, Manu Chao, flamencos, tangos, guarânias... ( por minhas curiosidades ). Borges, Isabell Allende, Neruda, Reynado Arenas, Octavio Paz. Tudo em espanhol.
O falar possibilitou-me errar, aprender, reaprender, domesticar a língua. Vivenciar o idioma é essencial. Estudar a gramática culta passou então a ser o objetivo. Já vivenciava o vocabulário, a leitura, a fala, e me dediquei à escrita. Cartas e cartas. Correspondências com meus amigos da internet, com minha família. Gosto e deleite. Cada vez que estudava o espanhol, mais aprendia o português! Importante é saber o funcionamento gramatical de nossa língua mãe para o aprendizado da segunda língua.
Al fin y al cabo, o interesse pelo idioma é incentivado pelo meu interesse em saber quem sou, quem faz parte do time de meu código genético. Talvez estudar o espanhol tenha me motivado a descobrir aquilo de que gosto; fez reconhecer-me a mim, a minha família, a América Latina.